domingo, 11 de outubro de 2009

O texto em que sou mais sincero e em que falo apenas daquilo que sinto é aquele que me é mais difícil de escrever. O que sinto parece não querer fluir pelos meus dedos e mostrar-se ao mundo, à laia de um bebé pequenino protegido na barriga da mãe. O que sinto é meu, ninguém mo pode tirar e não dou a ninguém, não vão eles partirem-no e depois não consigo colar tudo como estava antes. Mas a ti dou, deixo que pegues, com cuidadinho para não estragar, mas é tanto teu como meu, ou ainda mais. Dou-te o que sinto, juro que dou, mas ainda não sei como o fazer. Queria ser dono das constelações para te mostrar nas estrelas o que se passa cá dentro, conhecer todas as línguas do mundo e nelas encontrar a palavra ideal que ainda não descobri. Não sei como o fazer, mas prometo que é teu, e de mais ninguém. Ajuda-me a encontrar, estou à procura cada vez mais fundo e sem ti a meu lado não tenho botija, e depois se me falta o ar? Pega com cuidado que é frágil, não deixes cair que ele parte-se! Olha, vês? Olha bem! Só é preciso um espelho, já vês agora? Não quero um diamante, o toque do Midas não me serve de nada, eu já sou Rei e tudo tenho, já encontrei o meu tesouro! Não o consegues ver?

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Nothing Really Ends

Deus. Para outros é, à falta de melhor, um conforto, um apoio. Algo que está ali para o que der e vier, para culpar quando as coisas correm mal, para louvar quando tudo parece sair bem, algo que explica o inexplicável. Deus é confidente, deus reprova e leva a que se façam coisas seguindo a sua palavra. Por deus milhões foram mortos, e por deus alguns ajudam milhões. Para muitos deus tudo criou, tudo é. Para mim é uma palavra, uma expressão que uso, umas vezes mais do que outras. Não me importava de acreditar em deus, de o ter a meu lado, para com ele desabafar, para o culpar ou lhe agradecer. Mas não acredito. Para mim deus é uma palavra. Com minúscula.

sábado, 3 de outubro de 2009

Campeão do Mundo

E com o toque da campainha saíram os putos todos em correria desenfreada em direcção ao pátio, e o mais gordito que se deixou ultrapassar por todos já a gritar, Hoje não vou à baliza, e o dono da bola, que é sempre quem manda no recreio, Então não jogas, e o gordito amuado mas resignado lá foi para a baliza. As meninas todas crescidas nem ligam aos saltos que a bola dá, e aos gritos, Passa, passa, que vêm do campo de jogos, e ficam todas juntinhas sentadas a falar daquilo e disto. A contínua sempre num virote a tomar conta dos mais pequenos que não ficam quietos nem por nada e volta e meia se pegam à bulha uns com os outros, O carro é meu, não brincas com ele, e o outro vira costas e começa num berreiro. Nenhum liga ao homem que ainda é rapaz e está do lado de fora da escola com a testa já marcada do ferro das grades onde se encosta. O corte elegante do fato e a gravata azul, cascata de água no peito branco engomado, trabalha num escritório fechado o dia todo sufocado em papelada, da porta do gabinete só se vê o topo do seu cabelo escuro bem penteado, ou então é mais um dos que andam por entrevistas à procura de um escritório fechado que o sufoque em papel até à ponta da cabeça. Lembrou-se agora que é adulto, penso para mim, e lembro-me que já sou adulto e não posso pedir ao dono da bola se também posso jogar, Eu vou à baliza no lugar do gordito, não me importo, e depois de ganhar o jogo, hoje joguei pelo Brasil contra Portugal, corro para a sala de aula todo transpirado e faço os deveres com aquela vontade de aprender que só quem defendeu um penalty ao Figo no recreio tem. Lembrei-me agora, já sou adulto.

sábado, 20 de junho de 2009

Moleskine

Eu estudo jornalismo. Eu pretendo ser jornalista. Eu estou condenado ao fracasso como jornalista. Não se trata de ter ou não jeito para a coisa, isso agora não vem para o caso. A verdade é que, e vou dizê-lo com cuidado para não ferir os sentimentos dos mais sensíveis, eu não tenho um Moleskine. E não desejo ter um Moleskine. Não tenho nada contra o dito, foi usado por grandes como Hemingway, van Gogh e Picasso, e até é girinho, dentro do possível que é a um caderno ser girinho.

A verdadeira questão está aqui: não passa de um caderno, ou bloco de notas, ou sinónimos à escolha. E, sendo um caderno, custa o mesmo que oito gelados Magnum Classic! Ora eu, ainda para mais estando um calorzinho dos diabos, não me vou privar de sete Magnum Classic (o outro troquei por um caderno da Auchan), apenas para adquirir um bloquinho com estatuto. É que depois é um ciclo vicioso! Não vou escrever no Moleskine com uma bic, logo tinha de comprar uma Parker, que também é muito mais cara que uma bic. E depois tinha que transportar o Moleskine numa mala como deve ser, de pele italiana ou coisa que o valha.

Mas a realidade é esta, sem um Moleskine nunca irei a lado nenhum no jornalismo em Portugal.

sábado, 30 de maio de 2009

Doutor

O centro de saúde não é lugar para jovens, ainda para mais se estes estiverem sãos. Uma sala de espera apinhada de idosos, a esmagadora maioria deles enfermos, não poderá nunca ser o lugar apropriado para alguém estar. Aliás, a probabilidade de alguém ir ao médico de família saudável e sair de lá às portas da morte é exponencialmente maior do que o contrário. Só de olhar para dentro da sala de espera para verificar que estava cheia e que preferiria esperar nas escadas, fora da sala, já apanhei conjuntivite e estou a chocar umas cataratas. E quase que aposto que quando tiver de atravessar a terrifica sala para entrar no consultório do Doutor, e mesmo sustendo a respiração, vou apanhar bicos de papagaio, uma pedra no rim e com toda a certeza ficar com um grave caso de joanetes.

Estou agora dentro da sala, vagaram uns poucos lugares. Não vi metade das pessoas que ocupavam esses lugares sair. Deduzo que tenham falecido e logo de seguida o seu corpo devorado pelos restantes. A espécie idoso enfermo alimenta-se sobretudo de soro e medicamentos, no entanto há casos documentados de canibalismo. Todas as quatro janelas da sala estão fechadas, o que faz com que este espaço com aproximadamente 30 pessoas possua um cheiro que eu só consigo associar ao de uma gruta habitada por morcegos, e cujo solo se encontre coberto pelos dejectos dos mesmos. Os rituais são os habituais. Alguns espécimes comparam doenças, enquanto outros mostram várias fotos dos seus descendentes, gabando as suas façanhas, ainda que estas estejam ao nível das de um chimpanzé com trissomia 21. O meu único objectivo é escapar com vida, procuro possíveis pontos de fuga. De repente, o meu nome soa nos altifalantes fanhosos e entro na sala do Doutor. Missão cumprida.   

domingo, 17 de maio de 2009

Apetece-me escrever um texto sério. Sobre Paulo Pedroso. Sim, o Paulo Pedroso deputado do PS, o tal da Casa Pia. E candidato, pelo PS, à Câmara Municipal de Almada. Confesso que o nome ainda me deixa de pé atrás, e muito. Ser aluno da Ana Leal da TVI e ter estudado um pouco o processo Casa Pia contribuiu bastante para isso. Mas pronto, foi ilibado, a foto não servia, e gostar ou não de garotos também não vem agora para o caso. Almada tem sido nos últimos 35 anos o reino da Maria Emília, assim tipo uma Madeira sem as baboseiras ou um Marco de Canaveses sem a corrupção (que se saiba). A cidade cresceu, evoluiu e modernizou-se, muita coisa melhorou. Mas o metro, entre atrasos e alterações no troço, e velhotes sempre a queixar-se de quase serem passados a ferro, está longe de ser unânime. A Costa de Caparica vai sendo remendada e cheia de areia todos os anos sem solução permanente, já para não falar do plano POLIS, o Cristo Rei leva 50 anos e um milhão de euros de prejuízo, mas turistas ‘tá quieto ó couves, e a cantiga da segurança da cidade é a mesma há alguns anos. 

Candidato a quebrar esta hegemonia, Pedroso. Com uma carreira política promissora, viu-se envolvido num mega escândalo e desapareceu por uns tempos da cena pública e política. Agora é escolhido pelo seu partido para concorrer a uma cidade dominada pelos comunistas há mais de três décadas, contra uma Presidente que apesar de tudo ainda goza de muita popularidade entre os almadenses. Esta candidatura pode ser vista a partir de duas perspectivas distintas. O PS aposta forte num jovem político, com um certo peso político e mesmo mediático, ainda que não só por bons motivos, de modo a conquistar finalmente um município relativamente importante da zona da Grande Lisboa, ou o PS faz avançar um homem, que se viu afastado das lides políticas e que saiu com a imagem manchada do processo Casa Pia, sem grandes possibilidades de vencer em Almada. O partido faz avançar Pedroso, quase um peão a mais na estratégia política do PS, sacrificando-o numa batalha quase perdida contra os comunistas ao mesmo tempo que o reintroduz no panorama político. Pessoalmente, inclino-me mais para a segunda hipótese. Resta ver se o candidato rosa tem conteúdo para me fazer mudar de ideias, e ao resto dos almadenses. 

Quanto ao candidato do PSD, Jorge Pedroso de Almeida, adicionou-me no Hi5. Cena moderna, à Barack Obama tuga.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

I Wanna be a Supermodel

Hoje fui tirar sangue (com “tirar sangue” quero na verdade dizer que me violentaram o braço com um sorriso simpático), e com o sangue foi-se alguma da incapacidade de reflectir sobre um dos temas mais pertinentes da sociedade actual: aspirantes a modelos.

O que realmente me apoquenta nem é o facto de estas garotas (pouco me importam os garotos) quererem ser modelos. Estão no seu direito, é uma profissão como outra qualquer, e não menos importante para a sociedade que um jogador da bola, ou um socialité a falar no Às Duas por Três. O que me faz comichão na massa encefálica são mesmo as justificações dadas por elas para o facto de quererem sem modelos. Na minha singela opinião, que, como todo o mundo sabe, vale menos que um amendoim, existe uma justificação, e uma só! Acham-se boas e querem viver disso. Nada de errado aqui, eu se fosse boa também ia querer viver disso. Mas nunca eu assisti a uma aspirante responder à clássica pergunta “Então, porque participas neste casting?” dizendo “Olha, porque sou toda boa e não quero fazer pão enquanto for toda boa!”. Foi quase sempre um amigo que inscreveu estas moças nos castings, e sempre às escondidas. Estes amigos de agora… Antigamente é que era! Tinha-se uma amiga boa e pensava-se “epá, tenho uma amiga tão boa!”. Agora é “Epá, tenho uma amiga tão boa que vou inscrevê-la num casting para modelos!”. Assim se vêem as verdadeiras amizades, ainda há amigos que se preocupam connosco.

Outra pérola das justificações é por se gostar de fotografia. Eu gosto de fotografia, e com gostar de fotografia entendo que gosto de pegar numa máquina fotográfica e tirar fotos “de alto teor artístico” a algo que não eu, e se tiver de ser a mim próprio, ao menos que seja com estilo, em sépia ou assim. Gostar de fotografia, a meu ver, não é gostar de tirar auto-fotos vistas de cima, para mostrar o decote e meter no hi5, ou pedir à amiga feia com a máquina boa que nos tire fotos bué cool. Isto é gostar de se ser fotografada, minhas meninas…

Despeço-me com o Zé Saramago, que [pedaço de texto censurado] é inteligente.

“A mentalidade antiga formou-se numa grande superfície que se chamava catedral; agora forma-se noutra grande superfície que se chama centro comercial. O centro comercial não é apenas a nova igreja, a nova catedral, é também a nova universidade.”